Eu tinha uma professora de francês que adorava trazer livros de arte para a sala de aula. Geralmente tínhamos que escolher uma pintura ou desenho de um dos livros e falar sobre ele o que viesse à cabeça, em francês. Em uma dessas aulas escolhi uma pintura que retratava uma menina sentada em frente à sua penteadeira, com os cabelos lisos e compridos (estilo Samara de "O chamado") e um olhar sombrio. Em meio a alguns objetos de sua penteadeira, estava uma navalha (ou algo que parecia ser). Viajei no quadro, pra variar. O poeminha veio anos depois. O quadro em si eu procurei de todas as maneiras, mas como não lembro o nome do artista e nem da obra, não achei. Coloquei essa imagem só para ilustrar mesmo.
Pensamentos negros e ásperos
Povoam a mente da menina
Após ouvir relatos tão sinceros
Que lhe ardiam feito toxinas
Sentada à sua penteadeira repousa
Cada objeto milimetricamente posto
No encantado espelho reluz o seu rosto
Que olhar melancólico dessa moça
Lá fora, pela sua janela
Ela ouve e sente, mas não vê
O gritante silêncio de sua cidadela
E ela presa nela, querendo morrer
A escuridão de suas idéias
Por não caberem em si na cabeça
Escorrem por suas negras madeixas
Gotejando-lhe o coração
O peso ela não mais suportou
E quando sentiu intolerável a dor
Notou que lhe olhava a navalha
E sentiu uma alívio assustador
Sempre foi uma curiosa
E os assuntos da alma estudou
Mas foi a morte assombrosa
O que ela mais buscou
Fincando a lâmina na pele
Sentiu chegar cada camada
Epiderme, músculos e ossos
Dor física não a incomodava
Aguardou empalidecendo
Vendo as cores esvairem-se
Aquele reflexo horrendo
Ao ver o mundo ficar
E fez o que mais queria
Viu o reflexo do seu olhar, de dia
Em meio a profundos cortes
No exato momento de sua morte.
Carolina Coe
Profundo...
ResponderExcluirÀqueles que se impressionam com o tema, lembrem Fernando Pessoa, em Autopsicografia:
ResponderExcluirAutopsicografia
Fernando Pessoa
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
27/11/1930
Abraço Fernando em Pessoa. eheheheh
Pai, li esse poema de Pessoa hoje mesmo, pela milionésima vez. É perfeito!! E não, eu não me identifico com a menina do espelho hehe. Fernando em Pessoa, é? kkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirAmiga, sou sua fã!!!
ResponderExcluirSombrio. Muito bom!
ResponderExcluirFernando em Pessoa foi otimo :P
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