quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Menina do espelho


Eu tinha uma professora de francês que adorava trazer livros de arte para a sala de aula. Geralmente tínhamos que escolher uma pintura ou desenho de um dos livros e falar sobre ele o que viesse à cabeça, em francês. Em uma dessas aulas escolhi uma pintura que retratava uma menina sentada em frente à sua penteadeira, com os cabelos lisos e compridos (estilo Samara de "O chamado") e um olhar sombrio. Em meio a alguns objetos de sua penteadeira, estava uma navalha (ou algo que parecia ser). Viajei no quadro, pra variar. O poeminha veio anos depois. O quadro em si eu procurei de todas as maneiras, mas como não lembro o nome do artista e nem da obra, não achei. Coloquei essa imagem só para ilustrar mesmo.




Pensamentos negros e ásperos
Povoam a mente da menina
Após ouvir relatos tão sinceros
Que lhe ardiam feito toxinas

Sentada à sua penteadeira repousa
Cada objeto milimetricamente posto
No encantado espelho reluz o seu rosto
Que olhar melancólico dessa moça

Lá fora, pela sua janela
Ela ouve e sente, mas não vê
O gritante silêncio de sua cidadela
E ela presa nela, querendo morrer

A escuridão de suas idéias
Por não caberem em si na cabeça
Escorrem por suas negras madeixas
Gotejando-lhe o coração

O peso ela não mais suportou
E quando sentiu intolerável a dor
Notou que lhe olhava a navalha
E sentiu uma alívio assustador

Sempre foi uma curiosa
E os assuntos da alma estudou
Mas foi a morte assombrosa
O que ela mais buscou

Fincando a lâmina na pele
Sentiu chegar cada camada
Epiderme, músculos e ossos
Dor física não a incomodava

Aguardou empalidecendo
Vendo as cores esvairem-se
Aquele reflexo horrendo
Ao ver o mundo ficar

E fez o que mais queria
Viu o reflexo do seu olhar, de dia
Em meio a profundos cortes
No exato momento de sua morte.

Carolina Coe

6 comentários:

  1. Àqueles que se impressionam com o tema, lembrem Fernando Pessoa, em Autopsicografia:

    Autopsicografia
    Fernando Pessoa
    O poeta é um fingidor.
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.
    E os que lêem o que escreve,
    Na dor lida sentem bem,
    Não as duas que ele teve,
    Mas só a que eles não têm.
    E assim nas calhas de roda
    Gira, a entreter a razão,
    Esse comboio de corda
    Que se chama coração.

    27/11/1930

    Abraço Fernando em Pessoa. eheheheh

    ResponderExcluir
  2. Pai, li esse poema de Pessoa hoje mesmo, pela milionésima vez. É perfeito!! E não, eu não me identifico com a menina do espelho hehe. Fernando em Pessoa, é? kkkkkkkkkkkk

    ResponderExcluir